EDUCAÇÃO MULTIDISCIPLINAR

Defendemos uma política educacional multidisciplinar integrando os conhecimentos científico, artístico, desportivo e técnico-profissional, capaz de identificar habilidade, talento, potencial e vocação. A Educação é uma bússola que orienta o caminho, minimiza dúvidas, reduz preocupações e fortalece a capacidade de conquistar oportunidades e autonomia, exercer cidadania e civismo e propiciar convivência social com qualidade, dignidade e segurança. O sucesso depende da autoridade da direção, do valor dado ao professor, do comprometimento da comunidade escolar e das condições oferecidas pelos gestores.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

TRAFICANTES ALICIAVAM ESTUDANTES PARA VENDER DROGAS AOS COLEGAS

DIÁRIO GAÚCHO 20/11/2015 | 06h51


Polícia prende traficantes que aliciavam estudantes a vender drogas para colegas. Pontos de tráfico de drogas estavam localizados próximos de 17 escolas de Canoas



Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS



Leandro Rodrigues



A Polícia Civil realiza, desde a manhã desta sexta-feira, uma operação contra o tráfico de drogas no entorno de pelo menos 17 escolas nos bairros Niterói e Nossa Senhora das Graças, em Canoas, na Região Metropolitana. Ao todo foram presas 15 pessoas na Operação Apolo – cinco em flagrante na noite de quinta-feira e outros dez mandados de prisão temporária cumpridos na manhã desta sexta. Também foram cumpridos 17 mandados de busca e apreensão.

De acordo com a delegada Marina Goltz, titular da 2ª Delegacia de Polícia de Canoas, os traficantes se aproveitavam da proximidade com as escolas para fornecer drogas aos estudantes e fazer com que ela chegasse dentro das instituições de ensino pública e privada. A droga mais vendida era a maconha e, em seguida, o crack.

— Em alguns colégios, os estudantes eram aliciados a oferecer e vender drogas aos colegas — explica a delegada.

Outra consequência da proximidade dos pontos de tráfico com as escolas foi o aumento da violência na região. Pais e professores eram constantemente vítimas de assaltos e furtos cometidos por usuários em busca de recursos para compra de drogas.

A ação, que envolve aproximadamente 80 policiais civis, é resultado de cinco meses de investigação

terça-feira, 17 de novembro de 2015

MÁQUINAS SUPERFATURADAS E INÚTEIS



ZERO HORA 16 de novembro de 2015 | N° 18357


EDUCAÇÃO. Escolas técnicas no RS recebem máquinas superfaturadas e inúteis. INICIATIVA DO MEC de ensino profissionalizante é suspeita de esquema de fraudes em pregões



Uma geladeira, que nas lojas custa R$ 1,4 mil, mas pela qual foi desembolsado quase R$ 6 mil. Uma afiadora de ferramenta, de R$ 4 mil por R$ 72 mil. Uma caldeira de R$ 30 mil, que ninguém pediu, chega de surpresa em uma escola. Esses são exemplos de descontrole num programa bilionário de incentivo ao ensino profissionalizante e, também, de um esquema de fraudes nos pregões eletrônicos do governo federal. O caso foi mostrado ontem pelo programa Fantástico, da Rede Globo, em reportagem de Giovani Grizotti, da RBS TV.

O superfaturamento ocorre em compras do programa Brasil Profissionalizado, criado pelo Ministério da Educação em 2007 para estimular o ensino técnico no Brasil. O objetivo era construir escolas, equipá-las, garantir aulas práticas e preparar os jovens para o mercado de trabalho.

Um dos casos atinge a Escola Técnica Parobé, em Porto Alegre, a maior do Rio Grande do Sul. O curso de mecânica é pródigo em máquinas velhas, algumas com mais de 60 anos de idade. O problema é que o Ministério da Educação (MEC) enviou ao colégio uma caldeira de vapor novinha, comprada por R$ 30.880, mas inútil.

– Não temos o curso de caldeireiro aqui. Com o dinheiro, poderíamos equipar as aulas de soldagem – reclama Fernando Alves da Silva, professor de mecânica.

Uma furadeira industrial, comprada por R$ 40 mil, chegou sem as brocas. O mesmo colégio recebeu uma afiadora de ferramentas, avaliada em R$ 4 mil, que custou ao governo R$ 72 mil. E carrinhos de mão avaliados em R$ 70 comprados por até R$ 700.

Na Escola Técnica 25 de Julho, em Ijuí, na região das Missões, uma afiadora de ferramentas, por exemplo, custou 1.100% a mais aos cofres públicos do que o preço de mercado – em vez de R$ 6 mil, foram R$ 72 mil.

– (Desse valor) na época a gente podia ter comprado, no mínimo, três tornos convencionais – avalia José Alfredo Vagner, coordenador do curso de mecânica da escola.

PROCURADOR INVESTIGA COMPRAS DO GOVERNO

Há máquinas que a escola não sabe para que servem, que não foram pedidas e vieram sem manual de instrução. As compras feitas pelo governo federal são investigadas por Osmar Veronese, procurador da República em Santo Ângelo:

– Vai além da ideia da má gestão. Eu acho que aqui nós temos indicativos de corrupção, sim.

Em Campo Erê, em Santa Catarina, o problema foi outro. O manual de instruções de uma máquina complexa chegou, mas está escrito em mandarim. Em Estrela, uma escola recebeu computadores ultrapassados, que não conseguem abrir os programas usados pelos alunos.

Nesses equipamentos, distribuídos para 18 Estados, o governo gastou mais de R$ 450 milhões.

O resultado, mostrou a reportagbem, é a formação de profissionais despreparados. Para evitar isso, professores e alunos usam da criatividade para recauchutar equipamentos. Eles utilizam muitas peças de lixo eletrônico que recebem, mais componentes doados, e fazem adaptações.

O secretário-executivo do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, prometeu agir com rigor.

– Recurso público, principalmente em educação, tem de ser aplicado com toda a transparência. Vamos abrir uma sindicância para apurar todos os fatos apontados – afirmou Costa.

COMBINAÇÃO DE LANCES
-Escutas feitas com autorização judicial mostraram representantes de empresas combinando dividir licitações em Caxias do Sul. Eles falam em “dividir a cidade no meio, metade tu, metade eu”. Dois empresários combinam os lances no pregão:
-Empresário 1: “Tá. Vou bem alto. Pode ser?”.
-Empresário 2: ”Tá. Pode ser. Acima de vinte”.
-Empresário 1: “Tá. Vou a trinta”.
-Empresário 2: “Então tá”.
A AVALIAÇÃO
-Segundo o promotor de Justiça Flávio Duarte, “eles loteavam os órgãos públicos, determinando previamente qual seria o vencedor da licitação em cada órgão, estadual ou municipal. E entendiam como se eles fossem mesmo os proprietários desses órgãos”.
COMO FUNCIONA
- O pregão eletrônico estipulado pelo governo federal para compras de equipamentos é uma espécie de leilão ao contrário, em que os concorrentes dão lances pela internet.
-Tudo é feito pelo computador. Quem oferece um bem ou serviço pelo menor preço, vence a disputa.

domingo, 25 de outubro de 2015

ESCUTAR OS PROBLEMAS DOS PROFESSORES



ZERO HORA 25 de outubro de 2015 | N° 18335


ENTREVISTA: FERNANDO SAVATER

POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA E ITAMAR MELO


“É importante escutar os problemas dos professores”


Espanhol, de origem basca, Fernando Savater é filósofo por formação, mas não se considera propriamente um pensador, e sim um professor de filosofia. É no ensino, não apenas como profissão, mas como militância, que Savater vem desenvolvendo a maior parte de sua atividade intelectual desde 1970: é autor de oito dezenas de livros, alguns traduzidos para mais de 20 idiomas, muitos deles dedicados a provocar leitores jovens sobre questões cruciais da ética e da filosofia. Savater já teve vários de seus livros lançados no Brasil, entre eles O Valor de Educar, Política para Meu Filho e A Importância da Escolha (pela Editora Planeta) e Ética Urgente (pela Editora do Sesc). Seus lançamentos mais recentes no país estão saindo na próxima semana pela L&PM, A Aventura do Pensamento e Lugares Mágicos: os Escritores e Suas Cidades (leia mais na página ao lado).

Savater é o convidado desta segunda, dia 26, no ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Por e-mail, ele concedeu a seguinte entrevista ao PrOA, na qual discorreu sobre focos de crise na gestão da educação, a falta de atenção aos problemas dos professores, a diferença entre problemas éticos individuais e problemas políticos sociais, a promoção da leitura e os desafios da educação no ambiente virtual, um espaço ao mesmo tempo desafiador, perigoso e libertário.

Como filósofo, um de seus temas recorrentes é a ética. O Brasil atravessa hoje o que muitos observadores interpretam como uma grave crise ética, marcada por escândalos de corrupção nos mais altos cargos da república e em praticamente todo o espectro partidário. O que um quadro como esse revela sobre o estado da ética na sociedade como um todo? O que se pode fazer para superar uma crise desse tipo?

Fui professor de ética por mais de 30 anos e dei aulas sobre o assunto em muitos países. Bem, durante todo esse tempo e em todos os lugares que visitei, as pessoas sempre me disseram que seu país estava em uma crise moral terrível. Aparentemente, a ética foi sempre um problema dos outros (políticos, banqueiros, militares etc.) e vivia-se em uma perpétua situação de crise. Lembrei-me do início de um conto de Borges, em que, falando sobre um antepassado seu, ele diz: “Couberam-lhe, como a todos os homens, maus tempos para viver”. A corrupção dos políticos e dos governantes é um problema ético somente para cada um deles, pessoalmente (se um ministro gasta o dinheiro destinado a um hospital infantil em uma viagem de lazer para o Caribe com uma amiga, certamente tem um problema moral), mas, nessa mesma hipótese, os cidadãos têm um problema político, não moral. A corrupção, presente no Brasil, na Espanha e em muitos outros lugares, que afeta aos políticos e a esses outros políticos que são os cidadãos, levanta a questão de como podemos tornar a impunidade dos crimes impossível e impedir as más práticas públicas, mas não de como fazer com que todos os homens empreguem bem sua liberdade.

O senhor tem escrito livros de filosofia para os jovens. Entende que a filosofia tem sido negligenciada para as novas gerações? O que espera alcançar com essas obras?

Eu não me considero um filósofo, com maiúscula, como Spinoza ou Kant, e sim um simples professor de filosofia. Acho que se os jovens aprenderem a prática da filosofia (e não apenas de dados, datas e nomes dos movimentos intelectuais, é claro), poderão dar mais profundidade humana para suas vidas e talvez pensar melhor sobre as questões que os cercam. Meus livros são destinados a ajudar os recém-chegados a conhecer essa tradição emancipadora, com base em dúvidas estimulantes e não em certezas rotineiras.

No Brasil, a escola funciona como um mecanismo de reprodução da desigualdade social. Crianças pobres vão para escolas públicas de qualidade deficiente, enquanto crianças de posses estudam em colégios privados em que a qualidade, muitas vezes, corresponde àquilo que a família pode pagar. Que mensagem um sistema assim passa à sociedade?

Envia a mensagem de um país mal governado, onde as pessoas não se importam o suficiente com a educação ao votar ou ao exigir dos eleitos que cumpram suas obrigações neste campo (e esse não é um problema exclusivo do Brasil, é claro, na Espanha acontece o mesmo). Os governos não se preocupam muito com a educação, porque os seus efeitos só são sentidos no longo prazo, e os políticos só planejam o futuro a algumas semanas de distância; de modo que são os cidadãos que devem insistir na importância desta questão. Uma boa educação pública é um elemento mais revolucionário de equiparação social do que qualquer sublevação violenta.

O Brasil também tem enfrentado outro problema: a carreira de professor não parece atraente para muitos jovens, e a procura por faculdades na área vem diminuindo. O ex-ministro da Educação do Brasil, Renato Janine Ribeiro, recentemente se referiu ao risco de um “apagão” de professores no sistema de educação. Que riscos uma situação dessas pode trazer para um país em desenvolvimento?

Riscos gravíssimos. Os professores são o fundamento da democracia, e eu diria que também da civilização. Sem eles, há apenas a barbárie da elite tecnológica e a arrogância brutal dos plutocratas latifundiários ou financeiros. É uma obrigação racional de todos tornar a carreira de professor atraente, dotá-la de uma boa preparação e de uma remuneração adequada. Acima de tudo, é importante que a cidadania escute os problemas e as advertências dos professores, converta-os em protagonistas sociais, limpe as suas fileiras de sindicalistas corruptos. Só então poderá exigir deles as responsabilidades de sua alta função, que não consiste em orientar meninos e adolescentes para que sejam revolucionários ou conservadores, e sim para que conheçam os requisitos da cidadania democrática e a exerçam como acharem melhor.

A promoção da leitura na escola tem sido muito discutida em termos duais: para alguns, as aulas de literatura devem apresentar ao aluno os clássicos que formam um cânone; para outros, deve ser encorajada a leitura com livros contemporâneos que os adolescentes e as crianças podem desfrutar com prazer. Qual sua opinião neste debate?

Em minha opinião, o importante é contagiar os jovens com o amor pela leitura, e não com a veneração aos clássicos. Esta última virá depois, se vier, e se não vier, o mundo não vai afundar por isso. Assim, os jovens devem ler o que eles gostam, não o que a maioria de seus professores de literatura aprecia. Que leiam Harry Potter e mais tarde, como tema acadêmico, conheçam Machado de Assis.

O senhor se posicionou contra o nacionalismo do País Basco, sua região de origem, tendo inclusive de receber proteção por causa de ameaças. Nesse contexto, que consequências para a Espanha e a Europa antevê na atual situação catalã, em que partidos separatistas saíram vitoriosos na última eleição?

A situação atual é muito grave, porque os separatismos nacionalistas ameaçam a unidade da cidadania. Um cidadão não é alguém que faz parte de um território ou de uma etnia, mas sim de um pacto constitucional a partir do qual cada um pode orientar sua identidade e sua opção de vida como melhor escolher. Nada é mais reacionário e antidemocrático que despedaçar um Estado de Direito e transformá-lo em um arquipélago de tribos étnicas.

Do ponto de vista ético, como o senhor analisa as posições de diferentes populações e governos diante da atual crise de refugiados na Europa?

Não se trata de um problema meramente ético, ou seja, de pessoas, e sim político, quer dizer, das autoridades europeias. Os refugiados políticos e os imigrantes econômicos devem ser acolhidos não apenas por humanidade, mas também porque podem ser imprescindíveis para o desenvolvimento de países com taxas de natalidade mais baixa. Mas é preciso dar-lhes condições dignas de vida e trabalho, assim como tentar ajudá-los em seus países de origem para que não precisem fazer os deslocamentos forçados que impõem tantos sacrifícios vitais. Não é apenas uma questão de boa vontade, e sim de uma reflexão inteligente sobre a melhor forma de organizar este fluxo agora tão caótico.

Muitas subculturas da atual sociedade de informação servem-se frequentemente do anonimato e do efeito manada em redes sociais para orquestrar perseguições em grupo e bullying, não importando a idade. Que desafios este contexto oferece ao ensino da ética?

O sentimento de impunidade oriundo do anonimato é uma das piores ameaças enfrentadas pela rede. Onde não há responsabilidade pessoal, a moral desaparece. Portanto, devemos garantir que não haja, nas redes sociais, nem impunidade, nem assédio, nem abusos contra pessoas ou roubos de propriedade intelectual. Lá onde os humanos exercemos nossa liberdade, deve haver leis, caso contrário, o que se favorece não é a liberdade, e sim a tirania dos piores.


domingo, 18 de outubro de 2015

PROFISSÃO PERSISTÊNCIA


 

 ZERO HORA 18 de outubro de 2015 | N° 18328


LUÍSA MARTINS


EDUCAÇÃO


HÁ 10 ANOS, eles foram aprovados em um concurso estadual para serem professores do Ensino Médio em Porto Alegre. Uma realização ou o começo de uma decepção? ZH mostra o que aconteceu com os 48 que foram nomeados. A estatística reflete a realidade de uma categoria valorizada nos discursos, mas não nos salários e nas condições de trabalho

A professora de química Paula Brust, quando precisa usar o laboratório, se vê entre a precária vidraria e substâncias químicas cujos prazos de validade expiraram no século passado. Da mesma disciplina, Graciela Cechin limpa o quadro negro com papel higiênico, porque não há apagador. Para Cláudia de Oliveira, professora de história e geografia, os problemas não são de infraestrutura – o desafio diário é ser ouvida por estudantes, em geral, desinteressados. As três, você já deve ter intuído, ensinam em escolas da rede estadual.

ZH analisou a lista dos 48 professores nomeados no concurso de 2005 do magistério estadual para o Ensino Médio em Porto Alegre. Dez anos depois, a reportagem constatou que apenas 14 estão trabalhando para o Estado – o equivalente a 29%. Salários baixos, falta de estrutura nas escolas, desinteresse dos alunos e pouca perspectiva de evoluir na carreira são os motivos elencados pelos que assumiram, mas exoneraram-se tempos depois. Pelo menos 19 nem chegaram a tomar posse, frente a propostas melhores que surgiram entre o resultado do concurso e a nomeação (quase dois anos, em alguns casos). Outros 10 abandonaram a profissão – viraram analistas, bancários, policiais. Apenas duas pessoas da lista não foram localizadas.

É fácil encontrar justificativa para o resultado deste mapeamento. Pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência e divulgada este ano pela Fundação Lemann mostrou que, para professores da rede pública brasileira, a contribuição para a formação dos alunos e a responsabilidade social trazem satisfação, mas entram em conflito com a indisciplina dos estudantes e a defasagem do aprendizado (quando alunos são aprovados em um ano mesmo sem estarem preparados para o próximo). O desgosto que mais mobiliza a categoria é a remuneração. O RS é o Estado que paga o menor vencimento básico inicial para os professores estaduais: R$ 1.260 por 40 horas semanais. O piso nacional é de R$ 1.917,78.

– Uma coisa leva à outra: com más condições de trabalho, o professor não consegue garantir o aprendizado dos alunos. E quando o aprendizado não se conclui, ele perde a crença de que pode fazer diferença – diz o economista Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, ONG que apoia iniciativas inovadoras em educação e realiza pesquisas para embasar políticas públicas no setor.

Quem fica trava uma luta diária entre o sonho de protagonizar uma mudança social e os obstáculos para realizá-lo. O professor, em geral, sente-se impotente, enquanto a sociedade cobra dele a responsabilidade que assumiu ao escolher a carreira. Aliás, uma opção que, hoje, não tem o apelo do passado: menos de 2% dos adolescentes que terminam o Ensino Médio pretendem cursar, na faculdade, Pedagogia ou alguma licenciatura. O dado é do estudo Atratividade da Carreira Docente no Brasil, encomendado pela Fundação Victor Civita à Fundação Carlos Chagas (FCC). Ser professor é bonito, nobre, até gratificante, mas passar todo esse trabalho e ainda ganhar pouco? Não, dizem os adolescentes.

– Os jovens de Ensino Médio reconhecem o professor como uma pessoa de referência, mas acham que seria muito complicado seguir essa profissão. Eles enfatizam a dificuldade de lidar com adolescentes e as más estruturas físicas das escolas: relataram à pesquisa ambientes sujos, depredados e, em alguns casos, até semelhantes a presídios. Também falta perspectiva de progressão profissional – comenta a supervisora da pesquisa, Bernadete Gatti, pedagoga, doutora em Psicologia e vice-presidente da FCC.

Em entrevista recente à ZH, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro disse temer um “apagão” de professores. Na medida em que eles vão se aproximando da idade de aposentadoria, corre-se o risco de haver um grande vazio nos próximos anos:

– O Brasil vai ter de gastar mais dinheiro em educação. Uma das metas do PNE (Plano Nacional de Educação) é que o professor da rede básica ganhe a média do que ganha uma pessoa com a mesma escolaridade. Hoje, ele ganha uns 30% a menos do que se tivesse gasto esses quatro anos fazendo outro curso. E o ambiente nas salas de aula não tem sido convidativo. É uma carreira complicada para atrair pessoas.

O interesse nos concursos do magistério estadual caiu 17% desde 2005, quando 80.356 se inscreveram. Em 2011, foram 69.150. Em 2013, 66.296.

No levantamento junto à lista de nomeados, ZH observou que muitos professores, durante anos, desdobraram-se para atender às redes estadual, municipal e privada, ao mesmo tempo.

– Ninguém consegue sobreviver trabalhando só no Estado – justifica a professora de inglês Maira da Silva Gomes, que assumiu em 2007, mas exonerou-se em 2010 para tomar posse no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), onde a remuneração é 10 vezes maior para a mesma carga horária.

A sobrecarga de trabalho, diz a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero, é um dos fatores que reduzem a qualidade do ensino:

– Ao ter de dar conta de várias coisas simultaneamente, não dá tempo de se aprimorar, ler, estudar, coisas absolutamente necessárias para este profissional. E é difícil que o interesse do aluno não seja afetado quando ele vê o professor passando dificuldades, sem salário, doente, cansado e desmotivado.

Recentemente, a revista americana Child Development comprovou esta influência ao publicar um estudo sobre depressão em professores – “uma das profissões mais estressantes”. Os pesquisadores concluíram que as doenças dos professores trazem implicações negativas também para os alunos, que têm seu aprendizado comprometido.

Para mudar essa realidade, o primeiro passo é valorizar a profissão. Mas o caminho é longo.

– Se a gente for interpretar a situação atual de forma clara e sem rodeios, é o seguinte: o Estado não dá importância para a educação. E nem a sociedade, que se exime de pressionar as autoridades – diz o professor Fernando Becker, mestre em Educação, doutor em Psicologia Escolar e professor da UFRGS.

Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto Leão almeja o reconhecimento para além dos anos de eleição:

– Não estou dizendo que o professor tenha de pairar sobre tudo, mas que seja valorizado sempre, não só em época de eleição, quando se fala que professor é uma figura exponencial, ou em 15 de outubro, quando todo mundo lembra da professorinha da infância. É bonito, claro, mas precisamos mais.

domingo, 27 de setembro de 2015

PERGUNTAS CONSTRANGEDORAS



ZERO HORA 27 de setembro de 2015 | N° 18307


DIANA LICHTENSTEIN CORSO*



Responda rápido: o que temos no meio das pernas? Se você pensou nos órgãos sexuais, errou. Essa pegadinha infantil vem lembrar que às vezes supomos as perguntas mais constrangedoras do que elas realmente são. Isso é porque nossos pensamentos é que são meio travessos. A resposta certa é: os joelhos.

A brincadeira ilustra bem o que ocorre quando as crianças perguntam sobre sexo a seus pais. É uma situação em que elas sabem que os estão colocando em uma posição constrangedora e divertem- se ao vê-los balbuciar. Por isso, antes de começar labirínticas explicações sobre sementinhas, convém descobrir o que exatamente é que elas estão perguntando, pode ser só um joelho.

Elas gostariam de compreender muita coisa, mas somente interrogam sobre aquilo que estão prontas para escutar. Perguntar já é em si um ato de coragem, em geral as explicações são menos assustadoras do que as fantasias que surgem espontaneamente. As fantasias sexuais infantis são compostas a partir de fragmentos de conversas, imagens, enfim, um acervo que a criança está sempre coletando e que a leva, acredite, às conclusões mais disparatadas.

Por esses dias, uma mãe paulista ficou horrorizada quando seu filho de 11 anos, cursando a sexta série, lhe perguntou o que era uma prostituta. A indagação veio a partir de uma leitura recomendada pela escola: uma versão em quadrinhos do clássico Oliver Twist, na qual se recorria a uma linguagem mais contemporânea e própria do gênero. Junto a várias outras famílias, essa senhora participou de um movimento que questionava a direção da escola sobre o tipo condenável de valores que estavam transmitindo.

Mas, afinal, quando devemos falar para uma criança sobre temas que consideramos embaraçosos? A resposta é simples: quando ela perguntar, pois questionar é um signo de confiança em si mesmo e na sinceridade dos pais. Além disso, por que deveríamos lhes negar um desejo de crescer?

Um púbere que tenta falar em casa sobre prostituição está curioso das relações entre amor e sexo e quer saber da posição de sua família a respeito. Ele está entrando em contato com seus próprios desejos, intriga-o como é que isso poderia envolver dinheiro e por que esse é um xingamento tão grave. Mesmo depois de grandes, nossa própria sexualidade persiste enquanto um enigma que morremos sem decifrar. A surdez para a perspicácia dos filhos visa preservar uma fantasia de inocência que é preciosa só para os pais. Manter os filhos numa bolha é o propósito de famílias que tentam viver dentro dela.

A escola está certa. Com Oliver Twist, propõe um debate sobre um menino abandonado frente a uma sociedade hostil, em nada inconveniente para uma sexta série. Já esses pais, talvez não tenham amadurecido para acompanhar o crescimento dos seus filhos.



*Psicanalista dianamcorso@gmail.com

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

EDUCAÇÃO, PIOR DA REGIÃO SUL



ZERO HORA 18 de setembro de 2015 | N° 18298


GUILHERME JUSTINO


RS fica em “recuperação”


PESQUISA APONTA que parte dos alunos gaúchos tem problemas para ler, escrever e fazer cálculos


Para muitas crianças na fase final do ciclo de alfabetização, ainda é difícil entender o sentido de um conto infantil, redigir uma narrativa compreensível e ler as horas em um relógio analógico. Isso porque, entre os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental na rede pública, a capacidade de ler, escrever e fazer cálculos matemáticos está longe da ideal em boa parte do Brasil. E, no Estado, o quadro também é desalentador.

Mais da metade desses estudantes tem um nível considerado inadequado em matemática, apresentando dificuldades em operações simples de multiplicação e divisão. Quanto à escrita, uma em cada quatro crianças, apesar de saber escrever, comete erros que comprometem a compreensão da mensagem. É o que aponta a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) 2014, divulgada ontem pelo Ministério da Educação (MEC).

– Os dados são muito preocupantes. A alfabetização é a base de tudo, só com ela a criança adquire autonomia suficiente para seguir nos estudos – entende Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos Pela Educação.

Para a pedagoga Denise Arina Francisco, não atingir os níveis adequados de alfabetização e letramento na idade adequada significa um prejuízo dificilmente reversível, que pode comprometer toda a formação de um estudante.

– A criança que não domina a leitura e a escrita não consegue acompanhar os conteúdos tratados em sala de aula. Isso acaba retraindo ela e até levando a casos de indisciplina. É preciso resolver isso ainda nos primeiros anos – afirma.

SECRETÁRIO FALA EM CONSTRANGIMENTO

O secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha, afirma ter recebido com preocupação mais um indicador demonstrando que o Rio Grande do Sul não tem os melhores níveis de ensino. Para ele, o Estado tem involuído, ficando cada vez mais distante do nível de excelência que seria desejável. Em todas as áreas avaliadas, Santa Catarina e Paraná tiveram resultados melhores.

– É constrangedor estar na lanterna da Região Sul. Esses resultados são preocupantes, e mostram o tamanho do desafio que temos pela frente para reverter esse quadro. O lado positivo é que isso acende um alerta, e vai servir de base para novas intervenções pedagógicas – garante o secretário.

sábado, 12 de setembro de 2015

POR QUE GAMIFICAR A EDUCAÇÃO?



ZERO HORA 2 de setembro de 2015 | N° 18292


RAFAEL PARENTE*



O Brasil tem 1,5 milhão de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola, principalmente por desinteresse, e 45 milhões de pessoas usando jogos digitais. Se uma das principais queixas dos professores é a desmotivação e a indisciplina dos alunos, crianças e jovens nem piscam enquanto estão jogando. Não precisamos adorar os games para entender que “gamificar” o processo de aprendizagem pode ser uma boa estratégia. Mas o que significa gamificar a educação?

Gamificar significa utilizar dinâmicas, características e arquiteturas presentes nos jogos para promover comportamentos em outros contextos. Não se trata de, necessariamente, usar jogos – digitais ou não –, distribuir pontos ou outros incentivos. As melhores expe- riências de gamificação aproveitam elementos como a curiosidade, a permissão para falhar, o feedback imediato, a colaboração entre jogadores, a apresentação de novos conteúdos por meio de histórias e desafios contextualizados e o sentimento de controle na tomada de decisões para motivar, estimular comportamentos desejados e promover descobertas.

Ao jogar, aprendemos algo novo para “passar de fase”, desenvolvemos habilidades para resolver problemas, reconhecemos a necessidade e o valor do esforço, da persistência e da criatividade para aniquilar vilões ou desbloquear universo. Temos de compreender sistemas de regras para conhecer, experimentar e compreender algo novo; sentimos emoções diversas, como alegria, curiosidade, frustração e orgulho; socializamos, competimos, colaboramos e desenvolvemos a empatia ao assumir novas identidades e perceber diferentes perspectivas apresentadas.

A educação ainda não se convenceu de que novas tecnologias, gamificação, storytelling transmídia e outros elementos são realmente válidos. Nós, educadores, podemos escolher continuar evoluindo lentamente ou abraçar a inovação para redesenhar e ressignificar rotinas e processos, levando nossos alunos a compreender a importância social da Escola. A gamificação da educação é uma das melhores estratégias atuais para que nossos jovens voltem a se apaixonar pelas aulas e pela escola.

*PhD em Educação pela New York University, fundador e diretor do LABi e da Aondê Educacional

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E SUAS METAS PARA O MAGISTÉRIO



ZERO HORA 11 de setembro de 2015 | N° 18291


SIMONE VALDETE DOS SANTOS*



O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei 13.005/2014, inclui em seus princípios, artigo 2º inciso IX, a valorização dos(as) profissionais da educação, sendo as metas 15, 16, 17 e 18 focadas na formação inicial e continuada e valorização salarial. A meta 18 é sobre o cumprimento do piso salarial nacional dos professores, atualmente R$ 1.917,78 por 40 horas semanais e formação de nível médio. Acompanhamos no mês de julho o primeiro parcelamento da remuneração dos servidores do Poder Executivo, dos que recebiam acima de R$ 2.150. Dos 156 mil professores estaduais, 62 mil (quase 40%) tiveram seu salário parcelado, mais da metade do magistério estadual não recebe acima de R$ 2.150! A dramática situação do parcelamento de salários nos mostra que os professores estaduais, na sua maioria, não recebem o piso nacional salarial.

A estratégia 17.3 do PNE determina a implantação da jornada de trabalho em uma única escola. Nos grandes centros urbanos, é comum o deslocamento docente de uma escola para outra, a fim de completar sua carga horária. Nas escolas do campo, o profissional dá conta de uma série de atribuições, muitas vezes sem a formação pedagógica e de gestão adequadas. O vínculo somente a uma escola possibilitará o envolvimento docente ao projeto político- pedagógico e a convivência qualificada com os estudantes e as famílias. O fracionamento da jornada é sinônimo de muitas turmas e alunos, impossibilitando o acompanhamento mais individualizado das atividades e avaliações.

Os últimos dados da inscrição no Sistema de Seleção Unificado (Sisu), que possibilita o acesso às vagas nas universidades federais, demonstraram alta procura, nas licenciaturas, somente pelo curso de Pedagogia, o qual abre para uma abordagem interdisciplinar, foco nos anos iniciais do Ensino Fundamental e amplia a atuação profissional para além da docência. Nas demais licenciaturas, nas quais o foco é sobretudo o Ensino Médio e os anos finais do Ensino Fundamental, a procura é baixa, desafiando os cursos de formação de professores para abordagens por área do conhecimento, inclusive para contemplar o vínculo docente a uma escola. O cumprimento das 20 metas do PNE possibilitará a qualidade da Educação Básica, qualidade esta condicionada à valorização do magistério.

*Diretora da Faculdade de Educação da UFRGS

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

OS ALUNOS ESQUECIDOS



ZERO HORA 28 de agosto de 2015 | N° 18277


EDITORIAIS



Diante do clamor de uma mãe em busca de alternativa para a filha que está sem aulas desde o início do ano por falta de professor em uma turma da Escola Japão, em Porto Alegre, o secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha, fez o que deveria se constituir norma nesses casos: pediu desculpas e se comprometeu com solução imediata. Educação infantil é responsabilidade do município, a escola com falta de professor é estadual, mas crianças sem aula nada têm a ver com essas questões, que se prestam apenas para explicações burocráticas. O inadmissível é que um caso desses precise vir a público pela imprensa para o direito das crianças, finalmente, ser atendido.

Como relatou uma das mães, a filha de cinco anos só conta com promessas desde o início do ano, e não aulas. Nove dos 19 alunos conseguiram vagas em outras instituições, mas os demais vão chegar à primeira série sem ter frequentado uma pré-escola ao longo do ano, ficando, portanto, em desvantagem em relação aos demais. O conteúdo não ministrado no devido tempo dificilmente tem condições de ser recuperado a toque de caixa.

Esse prejuízo irrecuperável tem razões conhecidas, que vão da falta de recursos financeiros à de gestão e à de boa vontade, sempre acompanhada de burocracia. Mas é inadmissível que pequenos cidadãos fiquem tanto tempo sem conseguir sequer usar seu material escolar em sala de aula porque os agentes políticos não lhe asseguram professor. Que esse caso sirva de lição para o poder público, de uma vez por todas.

VIOLÊNCIA QUE CERCA AS ESCOLAS



ZERO HORA 28 de agosto de 2015 | N° 18277


VANESSA KANNENBERG


SEGURANÇA. ENSINO COMPROMETIDO


Como faz todos os dias, na manhã de 5 de agosto, o programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, provocou os ouvintes a enviar por WhatsApp histórias sobre um tema que os apresentadores tratariam. Naquele dia, a pauta era o mau desempenho das escolas gaúchas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre as centenas de mensagens, um assunto se sobressaiu: a violência.

Professor espancado por familiares de aluno

O professor de Geografia Carlos Geovani Ramos Machado havia planejado, para aquele dia, uma atividade no cinema. A ideia era mostrar outra realidade para os alunos do 7º ano da Escola Municipal Presidente Vargas, em Porto Alegre. Na telona, o filme brasileiro Colegas, sobre sonhos vividos por garotos com síndrome de Down.

Um contratempo após a atividade fez com que aquele passeio tivesse um desfecho trágico. Depois de discutir com um aluno que teria participado do furto do lanche de colegas menores e de levar uma joelhada do estudante, o professor Geovani foi recebido pelos familiares do menino na escola, que o acusavam de ter batido no adolescente. Acabou espancado e humilhado pelos parentes do garoto. Teve os dentes quebrados.

– Achei que tudo estava resolvido. Eles me encheram de desaforo, tentei argumentar. Enquanto explicava, veio um tio do aluno e me deu um soco com um tijolo no rosto. Eu caí, sem reação alguma – conta Machado.


DEPRESSÃO E DIFICULDADE PARA REAGIR EM SALA


Antes de entrar na ambulância, o professor lembra ter acordado e ouvido alunos e pais gritando:

– Tem que bater, linchar.

Aquelas palavras doeram mais que as agressões físicas. Ao recordá-las, não segura as lágrimas.

– Foi muito chocante. É como se a violência não fosse suficiente.

O episódio completou um ano na última quarta-feira. Ainda hoje, o professor tem dentes provisórios, um deles apenas “colado”, visivelmente à frente dos demais.

Geovani não tem dinheiro para corrigi-lo – custaria mais R$ 7 mil. Foram seis dentes danificados. A Secretaria Municipal de Educação (Smed) informa que aprovou o orçamento de R$ 31 mil para a reconstrução da arcada dentária, já que o caso se enquadra em acidente de trabalho. A liberação depende da procuradoria-geral do município, sem previsão. O atendimento psicológico também teve de ser interrompido. Mesmo após ter trocado de escola e voltado a lecionar depois de seis meses, as crises de depressão são frequentes. Geovani conta que perdeu o poder de mediar problemas em sala de aula.

– Se alguém começa uma briga, paro tudo e chamo a direção. Simplesmente, não tenho reação – desabafa o professor, que, dividido entre o amor à profissão e o trauma, estuda para concurso.

Só no último ano, a Smed contabiliza cinco casos considerados graves de violência envolvendo professores. Em todos eles, os agressores não eram alunos, mas familiares ou amigos.

Novo colégio depois de ser esfaqueado

A sensação de insegurança não é apenas dos professores. O sentimento é compartilhado pelos alunos. E o desamparo está dentro e fora dos muros da escola. A 600 metros do Palácio da Polícia, na Avenida Ipiranga, um crime chocou Porto Alegre no mês passado e deixou marcas em Dener Schavinski Stefanello, 18 anos. Ele foi esfaqueado em 8 de julho, a uma quadra do Colégio Protásio Alves.

Dener não quer mais falar sobre o caso. Recuperado do golpe próximo ao coração e de uma hemorragia, voltou à sala de aula só nesta semana. A mãe demorou a encontrar uma escola para a qual ele quisesse voltar. O rapaz se recusava a retornar ao Protásio Alves.

– Todas as opções que apareciam, ele reclamava que são perigosas, que têm violência – conta a mãe do rapaz, Lisiane Schavinski.

O suspeito do crime permanece preso, segundo o delegado Cesar Carrion – outras vítimas também o reconheceram. Um deles é um estudante de Direito, que também foi golpeado com uma faca, mas cuja perfuração parou na jaqueta.

– São casos difíceis de resolver, porque há poucos registros policiais. E quando resolvemos, os criminosos não ficam presos – critica o delegado.

A diretora do Protásio Alves, Ana Maria de Souza, diz que seus alunos, na maioria das vezes, vão até a polícia. Segundo a escola, cerca de 50 estudantes teriam sido atacados no último ano na região. Mobilizados pelo ataque, os estudantes organizaram protestos. Um policial passou a ficar fixo na escola. Mas assaltos seguem frequentes.

– Um PM plantado aqui não resolve, é o reforço de efetivo, a inteligência, a ronda que podem fazer a diferença – afirma a diretora.

NA FALTA DE POLICIAIS, DIRETORA PRECISA AGIR


Em outras escolas, o quadro não é diferente. Na Alcebíades Azeredo dos Santos, com quatro hectares em Viamão, quase no limite com a Capital, não é diferente.

– Não tem um dia em que não entre um aluno e diga: “fui roubado” – diz a diretora da escola, Naira Allem da Veiga.

Com 36 anos de docência pública, na falta de policiamento, ela faz às vezes de policial. Já separou brigas, tirou droga da mão de aluno e expulsou invasor. Os banheiros passaram a ser trancados e para usá-los é preciso pegar a chave na direção. O videomonitoramento serve para verificar suspeitas e também intimidar.

Mesmo assim, Naira se vê impotente. Baleado em um assalto no qual era um dos autores, um aluno, hoje com 15 anos, ficou tetraplégico. Voltou à Alcebíades neste ano para reencontrar a diretora.

– Ele só queria um abraço – recorda Naira.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

CURSOS DE MEDICINA SEM ESTRUTURA

 
G1 FANTÁSTICO Edição do dia 23/08/2015


Cursos de medicina sem estrutura crescem e chegam a custar R$ 7 mil.


Dados do Conselho Federal de Medicina mostram que nenhuma faculdade de medicina do país tirou a nota máxima na última avaliação do Inep.

Que médicos estão sendo formados pelas faculdades de medicina? Um levantamento inédito do Conselho Federal de Medicina mostrou que elas viraram um balcão de negócios. A qualidade do ensino fica em segundo plano. O Fantástico percorreu o país e encontrou escolas sem nenhuma estrutura para formar um médico. E até estudantes atendendo pacientes sozinhos, sem a supervisão de professores.

Não é Natal, nem réveillon. Mas a rodoviária da pequena Mineiros, no interior de Goiás, está lotada. É fim de julho e quem chega com as malas são todos jovens, com uma mesma expectativa. O objetivo é um só: fazer vestibular para medicina.

Mais de três mil alunos vieram de longe pro vestibular da faculdade particular Fama.

Há dois anos, Marcela tenta entrar em medicina. Já encarou mais de vinte vestibulares.
E quando soube de um curso novo em Goiás, ficou animada e viajou 1.200 quilômetros. O vestibular é só o primeiro passo de uma longa carreira. Mas o que esses estudantes podem encontrar pela frente está longe de ser um sonho.

Um estudo inédito do Conselho Federal de Medicina fez uma radiografia do ensino médico no Brasil. E expôs uma realidade preocupante: o número de faculdades disparou nos últimos anos. São instituições em sua maioria particulares, com mensalidades muito altas, que chegam a R$ 11 mil. Só que preço nem sempre quer dizer qualidade.

“Lamentavelmente hoje virou um balcão de negócios a abertura de cursos médicos. Isso é triste. A medicina brasileira está em decadência”, afirma José Hiram Gallo, conselheiro do Conselho Federal de Medicina.

Na nova faculdade de Mineiros, as salas de aula e os laboratórios já estão prontos. Os bonecos de plástico estão no lugar. Mas falta o espaço para a formação prática. Os últimos dois anos do curso de medicina são dedicados ao estágio, chamado de internato.

“Fundamentalmente a medicina precisa de campo de prática, os alunos precisam ser levados para as enfermarias”, Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.

Internato é diferente de residência, que vem depois da formatura, como especialização.

O MEC exige que, para cada vaga do curso de medicina, deve haver um mínimo de cinco leitos do SUS, ou conveniados, para o internato.

A Fama abriu 200 vagas. Portanto seriam necessários mil leitos. Mas no lugar do futuro hospital universitário, por enquanto, só tem mato. No lugar onde serão os consultórios, também. E onde será construído um campus exclusivo pra faculdade de medicina, só se vê terra.

A rede pública da região também não comportaria os alunos. Só tem 379 leitos. Faltariam mais de 600 leitos para cumprir a exigência do MEC.

O diretor da faculdade garante que fez convênios para ter todos os mil leitos. Para atingir a cota, a faculdade promete vagas de estágio em Goiânia, a mais de 400 quilômetros de distância.

Alessandro Rezende, diretor da Faculdade Mineirense - Fama: A gente tem 1050 leitos conveniados em Goiás.
Fantástico: E são quais hospitais?
Alessandro Rezende: São três em Mineiros, 14 hospitais no interior de Goiás e são mais três grandes hospitais aqui de Goiânia.

“Não precisa ser uma pessoa que viva na área da saúde para saber que essa distância é absolutamente incompatível com esse processo de ensino de aprendizado”, observa Carlos Vital.

Além disso, a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás diz que o convênio não existe. “Não foi feito nenhum contato conosco, até o momento, dessa faculdade para a busca de nenhuma possibilidade de nenhuma oferta de campo de estágio”, afirma Nelson Bezerra, da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás.

Por causa da falta de leitos para o estágio, o MEC não autorizou a abertura do curso. Mas a faculdade conseguiu uma liminar na Justiça para funcionar. Os alunos que passaram no vestibular começam as aulas nesta segunda (24), pagando R$ 7 mil por mês.

Fantástico: O aluno que vai estudar lá pode sair mal formado?
Maria do Socorro de Souza, presidente do Conselho Nacional de Saúde: Pode. Pode sair mal formado sim. E é lamentável porque é um custo caro pra família, é um custo caro para a sociedade porque muitos deles podem dispor do crédito educativo.

Só nos últimos cinco anos, foram abertas 81 escolas médicas. Quase a metade do total de faculdades de medicina criadas em mais de 200 anos. O governo federal diz que a abertura de novas faculdades é necessária porque faltam médicos no Brasil.

“Nós estamos ainda muito abaixo do que se espera para que nós possamos atender a nossa população com o número de médicos que queremos”, diz Luiz Cláudio Costa, secretário executivo do Ministério da Educação.

Atualmente, o Brasil tem 1,8 médico por mil habitantes. A média das Américas, incluindo Estados Unidos, é de 2,2. E a da Europa é 3,3.

“O Brasil está muito abaixo ainda do desejável no mundo, até dos nossos países vizinhos”, afirma Luiz Cláudio Costa.

Um especialista em educação médica estudou o surgimento recente de escolas de medicina. E afirma que o número de faculdades existentes hoje já seria suficiente para ultrapassar até os padrões europeus.

“Não há mais necessidade de nenhum curso de medicina novo no Brasil. O Brasil tem falta de médicos, com certeza, mas já houve uma expansão tão grande no número de cursos de medicina que essa falta de médicos vai ser resolvida com os cursos de medicina que já existem. O que o Brasil precisa é de médicos com formação de qualidade”, informa professor titular de Faculdade de Medicina da USP Milton de Arruda Martins.

E qual será a qualidade dos médicos que o Brasil está formando? Uma das respostas pode estar nos estágios que as faculdades oferecem.

Em Porto Velho, existem três faculdades de medicina. Nenhuma tem um local próprio para estágio.

O estudante João Otavio Salles Braga está quase se formando pela Universidade Federal de Rondônia. Ele faz estágio no Hospital Estadual João Paulo II, que está abarrotado de estudantes. “Tem um excesso de alunos, às vezes sete, oito ali para dez leitos”, conta.

Segundo João, os pacientes às vezes se sentem incomodados com tantos alunos: “Imagina, sete, oito pessoas apalparem aquele mesmo lugar. Eu tive paciente que falou: ‘Não, não, não aperta mais não. Já tá doendo, eu sei que tá doendo’. É um ambiente relativamente pequeno para acomodar todos os pacientes ali, mas os médicos, se você bota mais acadêmicos ali dentro, fica mais sobrecarregado", afirma.

Um funcionário diz que os alunos ficam a maior parte do tempo sem supervisão.

Funcionário: Foi um corte que ele teve na face, então foi feita a sutura de forma inadequada.
Fantástico: Mas o estudante fez a sutura sozinho?
Funcionário: Sozinho.

Um professor alerta.

Professor: As pessoas que estão se formando ali vão atender seres humanos daqui a pouco e isso é muito desagradável, pois vão dar um mau atendimento.
Fantástico: Qual pode ser a consequência disso?
Professor: A morte do doente.

O Fantástico visitou o Hospital Infantil Cosme e Damião, também em Porto Velho. Durante duas horas, nossa equipe flagrou vários estudantes, como uma jovem examinando uma criança na emergência, sem nenhum professor acompanhando. Outra aluna atendia uma criança que passava mal.

Mostramos as imagens para o representante de Rondônia no Conselho Federal de Medicina.

“Apalpou, auscultou, fez tudo que não era da competência dela. E sim do médico. Ela poderia até fazê-lo, mas do lado do médico professor”, avalia José Hiram Gallo.

E o segundo caso? “Essa criança precisava de um atendimento médico que estivesse um médico próximo, essa criança poderá ter até a morte por falta de um atendimento”, alerta José Hiram Gallo.

“Se esse tipo de denúncia chega pra gente, a primeira coisa que se faria, se houvesse, era demitir o professor preceptor”, afirma Nina Lee Magalhães, coordenadora acadêmica da Faculdades Integradas Aparício Carvalho.

“Eu vou apurar e será... Esse supervisor será desligado do serviço”, garante Maria Eliza de Aguiar, diretora da Faculdade São Lucas.

O coordenador de estágio da Universidade Federal de Rondônia diz que a presença do professor é indispensável.

“Se ele realizar alguma conduta isso é absolutamente ilegal porque ele não é médico, ele é um aprendiz e está ali pra aprender uma profissão”, diz José Ferrari.

Condições precárias de estágio são apenas uma das deficiências de escolas médicas brasileiras. Dados inéditos do Conselho Federal de Medicina mostram que nenhuma faculdade de medicina do país tirou a nota máxima na última avaliação do Inep, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Numa escala de um a cinco, mais da metade teve nota menor ou igual a três.

Além das notas baixas, o estudo chama atenção para a abertura de escolas em cidades pequenas, que não têm estrutura para estágio. Nos últimos dois anos, foram 20 casos assim.

“A interiorização dos cursos de medicina com condições de fixação é que nos vão garantir que esses médicos não vão ser atraídos somente para trabalhar nas capitais”, afirma Luiz Cláudio Costa.

O professor da Faculdade de Medicina da USP Mário Scheffer analisou médicos formados no interior, nos últimos 30 anos. E concluiu: apenas um em cada cinco permanece na cidade onde se formou.

“A interiorização dos cursos de medicina é totalmente insuficiente para fixar médicos no lugar. Os médicos formados nesses pequenos municípios migram para os grandes centros em busca de empregos e condições de trabalho e remuneração mais atraentes”, diz Mário Scheffer.

O estado de São Paulo concentra o maior número de escolas médicas do país: 44. O Conselho Regional de Medicina do estado é o único que aplica uma prova para recém-formados. Nos últimos três anos, o desempenho das particulares foi bem pior que o das públicas.

No ano passado, 67% dos alunos da rede pública foram aprovados na avaliação. Na rede privada, apenas 35% passaram.

Da universidade Camilo Castelo Branco, em Fernandópolis, onde a mensalidade custa cerca de R$ 6 mil, só 23% dos alunos passaram na prova. O curso está entre os três piores do estado.

“O risco de um médico mal formado são 43 anos, é a média que um médico depois de formado exerce a profissão, fazendo uma medicina de má qualidade”, diz Bráulio Luna Filho, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

O número de denúncias de erros médicos no Conselho Regional de Medicina de São Paulo cresceu de 5 para 18 por dia, nos últimos 20 anos. O presidente do conselho atribui o aumento à má formação dos profissionais.

“Antigamente eram denunciados médicos com mais de 15, 20 anos de formado. Agora, não. São médicos com três, quatro, cinco anos de formado. Foi o que nos levou a fazer o exame do conselho”, diz Bráulio Luna Filho.

Pelas leis atuais, aprovados ou reprovados, todos os formados podem exercer a medicina. Mas o Cremesp propõe que só possam trabalhar como médicos os que forem aprovados no exame do conselho.

Em Cuiabá, num dia de festa tão simbólico, essa ideia divide opiniões.

“O bom aluno que estudou, que dedicou, ele não vai ter medo dessa prova, dessa avaliação, visando o bem comum, que é a melhora da medicina e consequentemente da qualidade de vida das pessoas”, opina Pedro Vitor Magalhães, formando em medicina.

“Depois da nossa faculdade, muitos fazem a residência, e pra você passar na residência é necessário passar por um novo processo seletivo, uma nova prova. Então acho que seria desnecessário”, comenta a formanda Camila Leite Teixeira.

Para esses recém-formados, existem duas certezas: o caminho até aqui não foi fácil. E o futuro é cheio de sonhos.

E a Marcela, aquela estudante do começo da reportagem, ainda não passou no vestibular de Mineiros, em Goiás. Já houve seis listas, e ela ainda não foi chamada.

sábado, 18 de julho de 2015

ESPAÇO DE PROTEÇÃO



ZERO HORA 18 de julho de 2015 | N° 18230


EDITORIAIS




Reportagem divulgada por este jornal, sobre a morte de crianças e adolescentes na Região Metropolitana de Porto Alegre, revelou que 46% das vítimas não estavam estudando. Depoimentos de profissionais do ensino indicam que nas zonas periféricas, especialmente em comunidades dominadas pelo tráfico de drogas, as escolas representam um espaço de proteção para jovens de famílias desestruturadas. Evidentemente, não é essa a finalidade original da instituição escolar, que deve ter como prioridade a formação educacional e a preparação dos alunos para a vida e para o mercado de trabalho. Porém, considerando-se o caos da segurança pública no país, as escolas acabam se transformando em verdadeiras ilhas de paz e civilidade nas áreas mais conflitadas.

Esse fenômeno é um indicativo claro para os administradores públicos de que a segurança deve ser intensificada em torno das escolas e também de que as políticas públicas devem priorizar o encaminhamento de crianças para o estudo. Mais: evidencia a importância da gestão escolar, pois acaba recaindo sobre diretores e professores a tarefa de administrar a disciplina interna, que também é contaminada pelo modo de vida dos estudantes.

A Pátria Educadora, apregoada pelo governo federal, tem que começar pela escola, pela garantia de ambiente saudável, pela oferta de condições dignas de trabalho, pela valorização efetiva da atividade educacional. Enquanto o país não consegue enfrentar de forma satisfatória seus dilemas sociais, que pelo menos as crianças e os jovens tenham na escola uma oportunidade de proteção e de encaminhamento para um futuro melhor.

terça-feira, 14 de julho de 2015

EDUCAÇÃO NÃO É PRIORIDADE DOS GOVERNOS!


JORNAL DO COMÉRCIO 13/07/2015



Jocelin Azambuja



Certa vez, na década de 1990, falei com um prefeito do Interior, de município emancipado, e ele me disse, feliz: "Já fiz calçamento em 2,5 quilômetros de ruas da cidade". Aí lhe perguntei: "Prefeito, quantas escolas de Ensino Fundamental completo tens na cidade? Quantas de Ensino Técnico? Quantas de Ensino Médio?" Ele me olhou pensativamente e disse: "Só uma de Ensino Fundamental completo". Respondi: "É, prefeito, as crianças e adolescentes da cidade não pegarão mais pó, acho que será melhor para a saúde e futuro delas".

Governos em geral, com honrosas exceções, priorizam bolsas auxílio, obras inacabadas e asfalto a dar educação ao povo. O modelo vem do governo federal e dos poderes. Depois da gastança, na hora do aperto, se corta o orçamento da educação, agora 19,3%. Jamais os ministérios, os cargos e privilégios, o corte afetará os programas da Educação Básica e Superior.

Temos um novo ministro da Educação, e a presidenta Dilma Rousseff (PT) lançou seu programa de governo, Pátria Educadora, em uma campanha enganosa. Agora, fazem cortes no Sisu, Fies, Pronatec, no Sem Fronteiras, aumento nas taxas do Enem. Todos se perguntam: sem recursos, como fazer a educação de fato avançar?

O Brasil caiu duas posições no ranking mundial dos países em conhecimentos de matemática e ciências passou de 58º lugar para o 60º, é a queda dos nossos níveis de educação. Os governos discursam nas campanhas, que darão educação, saúde... Ao povo, tudo fica só no discurso, na prática é o contrário. Sobram recursos para inchar a máquina pública com ministérios e cargos, com aumentos especiais ao Judiciário e Legislativo.

A educação continuará a ser tema de utopia, nossas crianças e adolescentes continuarão sem oportunidades iguais de futuro, e os sobreviventes à violência, à pornografia, às drogas, à educação de baixa qualidade serão o futuro do Brasil. Continuem cortando o orçamento da educação, é este o futuro que querem para a nossa juventude e País?

Advogado

O RETROCESSO DA DESESCOLARIZAÇÃO




JORNAL DO COMÉR5CIO 14/07/2015



Luciano Centenaro




Desde a remota Antiguidade Clássica, encontramos elementos que simbolizam o conceito de escola que conhecemos. Desde muito tempo, convivemos com esta instituição que até hoje ousa manter-se atualizada e em permanente reformulação. Paira sobre a escola, a crítica de que sua estrutura, seus conhecimentos, sua organização e seus professores pouco alteraram-se nas últimas décadas. Além disso, que esta não consegue acompanhar a mudança exponencial pela qual as gerações de estudantes passam na atualidade.

Diante dessas dúvidas, cresce no mundo o índice de famílias que têm optado por uma alternativa radical na formação de seus filhos. Esta proposta educacional, conhecida como desescolarização, foi difundida na década de 1970 e tem em sua raiz uma crítica ao trabalho desenvolvido nas instituições de ensino. Um dos argumentos mais utilizados pelos que defendem esse método é a autonomia na seleção do currículo escolar.

Mas, de que escola estamos falando? Será possível educar nossos estudantes sem proporcionar espaços criativos de construção coletiva de conhecimento? Será possível auxiliar na formação de cidadãos críticos sem uma relação de alteridade e sem a pedagogia do encontro? Será que nossas escolas realmente homogeneízam seus estudantes e não levam em consideração seus interesses? Com certeza, não. A instituição escolar vai muito além do lugar sagrado onde se constrói conhecimento em cada ambiente e não apenas na sala de aula. É o espaço de acertar e errar para aprender a ser melhor do que um dia já se fora, de partilha das experiências dos estudantes e de aprendizagem de todos os jeitos. É o ambiente único para construir com o outro hoje as argumentações necessárias para fundamentar nossos conhecimentos. Deixar esses aspectos de lado é abandonar os princípios da formação humana. É limitar a convivência com os que pensam diferente e restringir a possibilidade de transformação.

Coordenador Educacional dos Colégios Maristas

quarta-feira, 1 de julho de 2015

ESCOLAS REFÉM DO MEDO



Reféns do medo. Oito escolas fecharam por violência em Porto Alegre neste ano. Levantamento do DG mostra que aulas foram suspensas ou interrompidas em 20 dias, afetando cerca de 2 mil estudantes

Por: Eduardo Rosa
ZERO HORA 01/07/2015 - 07h08min



Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS


A guerra do tráfico e os crimes contra o patrimônio não perdoam nem aqueles espaços voltados ao aprendizado e ao crescimento. Neste ano, pelo menos oito escolas da Capital e cerca de 2 mil alunos tiveram aulas suspensas ou interrompidas pela violência.

O levantamento foi feito pelo DG em 41 colégios localizados em regiões de grande vulnerabilidade social: Arquipélago, Bom Jesus, Mario Quintana, Restinga, Rubem Berta e Santa Teresa. No total, foram 20 dias em que algum dos locais mudou sua rotina por toque de recolher, informação de tiroteio, arrombamento ou incêndio. A questão extrapola o "ficar sem aula": a insegurança toma parte do cotidiano.



Um dos exemplos vem da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Rosa. Localizada na Avenida Bernardino Oliveira Paim, no Rubem Berta, a instituição suspendeu as aulas por três noites.

— Alguém estava ligando e avisando para não abrir. Alunos perderam aula, vão ter de recuperar durante final de semana ou férias. Isso que prejudicou, a falta de aulas por uma coisa que não estaria acontecendo na escola, mas no bairro — relata o estudante Willian Vargas, 19 anos.


Uma professora, que pede para não ser identificada, afirma que a sensação é de impotência:

— Não sabemos o que fazer com as crianças menores. Alguns pais vêm buscar antes.

No lado oposto da cidade, na Restinga, a Escola Municipal de Educação Infantil Dom Luiz de Nadal não chegou a cerrar os portões em 2015 por situação semelhante. Mas não significa que sua rotina não tenha sido alterada por conflitos.

— O que acontece fora dos muros da escola nos afeta, como as crianças não poderem ir para o pátio. A gente fica tensa, abala a parte psicológica. Os pais ligam e perguntam se podem vir buscar — relata a diretora Maria do Carmo Souza.


Quando chega a notícia de que pode haver tiroteio em determinada região, pais e alunos lançam mão dos telefones. A pergunta é: buscar ou não as crianças? As decisões dependem de cada escola. Alunos podem ir embora mais cedo ou mais tarde. Nesses territórios, o colégio abraça uma função que não é sua — cuidar dos alunos longe de seus muros.


Colégio Paraná, na Zona Sul, sofreu incêndio criminoso | Foto: Carlos Macedo

"Problema é muito mais complexo", afirma sociólogo

O sociólogo e professor da Unisinos Carlos Gadea analisa que fechar as portas por questões de violência é reflexo do que acontece onde está o colégio.

— A escola é a instituição onde mais repercutem as coisas que acontecem ao seu redor. Depende muito do contexto do bairro. Não é problema tanto da escola enquanto local, é muito mais geral e complexo — afirma.

O pesquisador cita Medellín, na Colômbia, como exemplo de mudança na segurança. Ele aponta como positivas ações como proporcionar bibliotecas, esporte, lazer e acesso à internet para as populações:

— Muitos jovens que poderiam entrar no narcotráfico, quando crianças começaram a ir a esses lugares. Aos 14, 15 anos, já tinham passado anos lá aprendendo alguma coisa.

Estado aposta na prevenção

A Secretaria da Educação do Estado elegeu como um dos programas prioritários para a área a criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipaves) — a meta é instalar pelo menos cem nas regiões com maiores índices de violência. O desdobramento, conta o titular da pasta, Vieira da Cunha, é a participação de outras secretarias, sob a coordenação da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos.

— A escola pode estar isenta do problema de violência, mas a comunidade está inserida nessa situação. Então, os problemas sempre acabam refletindo na educação — afirma a gerente do projeto, Luciane Manfro.

Vieira vê no ensino de tempo integral uma medida capaz de mudar a realidade de comunidades conflagradas. O secretário quer terminar a gestão com 300 instituições nessa modalidade:

— É uma importante ferramenta. A criança fica o dia inteiro em atividades educativas e prazerosas. É retirada daquele ambiente, fazemos um resgate social.


Na Santa Rosa, aulas foram suspensas em três noites | Foto: Luiz Armando Vaz

Município busca a integração

Integrante da Assessoria Técnica e Articulação em Rede (Atar), da Secretaria Municipal da Educação (Smed), a assistente social Joice Lopes da Silva explica que fechar ou não uma escola depende da tensão na qual a comunidade vive. Isso é avaliado por diretores e secretaria. Depois, as horas têm de ser recuperadas.

— O trabalho da escola passa muito por ter vínculo com alunos e famílias e conseguir entender as questões do território. Se a escola entrasse num enfrentamento, não conseguiria se manter — conta.

Para ela, os momentos mais tensos precisam ser usados para se fazer uma reflexão da violência com alunos e pais e, a partir daí, repensar algumas escolhas e valores.

— Conflitos fazem parte de uma realidade social. Tem se tentado conviver e lidar com essas questões. Não tem como ir contra, a escola aprende a lidar — diz Joice.

A Smed trabalha em rede integrada, com assistência social, Conselho Tutelar e saúde, na qual é discutida a situação do território e de cada aluno.


quinta-feira, 25 de junho de 2015

IMPROVISO NA EDUCAÇÃO


 

ZERO HORA 25 de junho de 2015 | N° 18205


EDITORIAIS



A decisão da imensa maioria de Estados e municípios de deixarem para a última hora o encaminhamento de seus planos locais para o ensino diz muito sobre a pouca importância destinada à Educação no país. Ainda que os gestores insistam em explicações, como dificuldades técnicas e de planejamento, além de pouco prazo para a definição de metas e estratégias para a área nos próximos 10 anos, o fato concreto é que, de maneira geral, houve um excesso de despreocupação com o assunto. Em consequência, muitos textos acabarão se restringindo a reproduzir o plano nacional, sem avançar nas especificidades locais.

No Rio Grande do Sul, assim como na maioria dos municípios gaúchos, a situação não foi muito diferente. E, como ocorreu em grande parte do país, a ênfase nas divergências em relação à discussão de gênero em sala de aula fez com que o tema se impusesse sobre outros, que acabaram muitas vezes colocados de lado. É o caso, por exemplo, do número de alunos por sala de aula e de aspectos relacionados à valorização dos professores.

É lamentável que uma matéria de tamanha relevância para a sociedade e para o futuro do Estado, que precisa avançar na área educacional para melhorar economicamente e não perder importância relativa, tenha sido encaminhada a toque de caixa. Políticas de ensino não podem ficar na dependência de quem está temporariamente no poder. Educação de qualidade é um objetivo que precisa ser perseguido permanentemente, com metas definidas num prazo mais longo.

domingo, 21 de junho de 2015

A FINLÂNDIA TEM MUITO A ENSINAR


Sem alarde, como é de seu estilo, o país nórdico, símbolo da excelência no ensino, lidera o movimento global para revolucionar a sala de aula e criar as bases da escola para o nosso tempo

Por: Monica Weinberg, de Helsinque
VEJA ONLINE Atualizado em 19/06/2015 às 22:51


ALTA AMBIÇÃO - Escola finlandesa: a ousada reforma no currículo busca manter o país no topo(Gilberto Tadday/VEJA)

Na década de 70, a Finlândia decidiu promover uma virada crucial no ensino. Era um tempo em que metade da população ainda vivia na zona rural e a economia dependia das flutuações do preço da madeira - passado que soa remoto diante do atual desempenho do país na corrida global: a chamada "terra dos 1 000 lagos" (exatamente 187 000) e dos 2 milhões de saunas (uma para cada 2,7 habitantes) desponta entre os cinco primeiros nos rankings mundiais de competitividade, inovação e transparência. Sua capital lidera o mais recente teste de honestidade da revista Reader's Digest, baseado em quantas de doze carteiras com 50 dólares deixadas em lugares-chave pela revista foram entregues de volta a seus donos ou à polícia. Em Helsinque, onze das doze carteiras foram devolvidas - no Rio de Janeiro, quatro, o mesmo número de Zurique.
(VEJA.com/VEJA)

Não espere encontrar na Finlândia a rigidez típica de outros campeões do ensino, como Coreia do Sul ou China. Enquanto a palavra de ordem na Ásia é estudar noite e dia, nessas bandas da Escandinávia a rotina escolar é mais suave, com jornadas de cinco horas e lição na medida certa para sobrar tempo para "relaxar" - esse é o verbo de que os finlandeses gostam. Que não se confunda isso com indisciplina ou pouca ambição. Foi só a Finlândia perder posições no ranking da OCDE (ficou em sexto lugar no último) e o exame nacional mostrar certa queda para soar o alerta e o rumo ser corrigido. Os novos tempos são de construção do conhecimento em rede, uns colaborando com os outros, como nas rodas acadêmicas. Também é visível a mudança na condução da aula pelo professor, que às vezes nem mesa tem; a ideia é que ele palestre menos e guie mais o voo dos estudantes. Os mestres não são coadjuvantes, como em muitas experiências que se autointitulam inovadoras, mas o centro de uma reviravolta sustentada em delicado equilíbrio. "O segredo está em não achar que flexibilidade é o mesmo que anarquia", pondera a doutora em educação Kristiina Kumpulainen, da Universidade de Helsinque.

A tarefa de saber qual conteúdo deve sobreviver à afiada peneira deste século não é simples, mas vem sendo testada com sinais de sucesso, e não só na Finlândia. Também na vanguarda do ensino, o distrito de Colúmbia Britânica, no Canadá, encontra-se em pleno processo de separar o descartável do essencial. "Com uma grade de matérias tão pesada, as crianças não estavam aprendendo a pensar", reconhece Rod Allen, envolvido na missão de reescrever o currículo. Os canadenses continuarão a estudar os fundamentos da democracia grega e por que todos os caminhos levavam a Roma, mas não precisarão mais "sobrevoar", como diz Allen, todas as civilizações da Antiguidade. "No lugar de cinquenta tópicos mal absorvidos, vamos agrupá-los em dez ou doze grandes áreas, enfatizando os conceitos realmente valiosos", explica ele, que ainda esclarece: datas, pessoas e eventos importantes seguem firmes na cartilha. O Japão percorre trilha semelhante. Enxugou em 30% seu currículo para ceder espaço às habilidades tão em voga. Não há nada de modismo aí. Os japoneses perceberam que os postos de trabalho que envolvem atividades rotineiras e baseadas em um único tipo de conhecimento estão sendo varridos por aqueles movidos a desafios mais imprevisíveis e complexos, que exigem flexibilidade de pensamento e de postura. Mas em um ponto ninguém mexe: ler um livro por semana foi, é e sempre será sagrado.

terça-feira, 9 de junho de 2015

ESCOLA MILITAR DEVERIA INSPIRAR ORGANIZAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO



JORNAL OPÇÃO Edição 2082, 09/06/2015


Goiás. Mestre da UFG diz que escola militar deveria inspirar a implantação de organização social na educação



Raquel Teixeira: secretária não resiste à implantação de OSs na educação de Goiás | Foto: Mônica Salvador

O governo de Goiás busca inspiração em escolas americanas para implantar o sistema de organizações sociais na rede pública do Estado. Um professor da UFG disse ao Jornal Opção: “O modelo americano é eficiente, não há dúvida. Mas há um modelo de menor custo e com ótimos resultados: o das escolas militares. Elas funcionam bem e garantem alta aprovação em vestibulares”.

O doutor da Universidade de Goiás, que prefere não se identificar para não ser patrulhado pelos colegas, sublinha que, na prática, as escolas militares — “que deveriam ser estudadas sem preconceito pelas faculdades de Educação do país” — são geridas praticamente no sistema das organizações sociais, “e com alta eficiência”.

O professor sugere que a qualidade das escolas militares tem a ver com a disciplina “implantada” pelos militares. “No caso, disciplina significa rigor com professores e alunos. Nas escolas públicas sem a presença da Polícia Militar há registro de absenteísmo de professores. Já nas escolas militares, que são menos militares do que parecem, exceto na questão da disciplina, os professores raramente faltam. Os alunos têm aulas todos os dias, os professores são respeitados e há incentivo crescente aos melhores alunos.”

Para os alunos, sublinha o professor, as OSs na educação serão positivas. “Eles terão aulas todos os dias e com a qualidade monitorada.”

O sistema da OSs deverá ser implantado em 2016, ainda que de maneira gradual, com espécies de pilotos. O doutor aposta que, no meio do processo, todas as escolas vão clamar pelo sistema das OSs, como hoje os municípios de Goiás “brigam” pelas escolas militares. “Há quem diga que a professora Raquel Teixeira é contrária à instalação de OSs na educação. Não acredito que seja assim. O que ela quer é que o sistema seja implantado de maneira competente e que os professores sejam persuadidos de que as OSs significam mais qualidade no sistema educacional, e não falta de autonomia em sala de aula. Se há resistência não é por parte de Raquel Teixeira, e sim dos setores corporativos, que são sempre refratários àquilo que é novo, às vezes apresentado como medida ‘autoritária’ — numa certa confusão entre ‘autoridade’ e ‘autoritarismo’, e nem se trata de má-fé.”





domingo, 31 de maio de 2015

O APAGÃO DAS UNIVERSIDADES

REVISTA ISTO É N° Edição: 2374 | 29.Mai.15 - 20:00 |



Greve de professores e servidores agrava a crise na educação e mostra o descaso do governo com as instituições de ensino publico do País, já comprometidas pelo corte nos repasses


Camila Brandalise




Falta luz nas salas de aula. O número de assaltos aumentou porque seguranças foram demitidos. O lixo está entulhado depois do corte nas equipes de limpeza. Reformas estão paralisadas. O pagamento das bolsas está atrasado. Grande parte das 63 universidades federais brasileiras já enfrentou pelo menos um desses problemas algum dia. Muitas delas mantêm grandes estruturas e o dinheiro em caixa nem sempre é suficiente. Mas em 2015 essas situações não só se tornaram recorrentes como generalizadas. No discurso, a educação é uma prioridade do governo, porém a realidade mostra o contrário. Neste ano, a verba repassada para as instituições de ensino superior que recebem dinheiro do cofre federal sofreu um corte de cerca de 30%. Segundo o Ministério da Educação (MEC), em janeiro e fevereiro foram repassados o equivalente a 1/18 do valor anual, mas a partir de março as transferências teriam sido regularizadas. A informação é negada por universidades consultadas por ISTOÉ, que afirmam estar até agora recebendo repasses reduzidos. Sem dinheiro suficiente, as administrações cortaram serviços básicos e criou-se um ambiente incompatível com o aprendizado. A crise fica ainda mais pungente com o início da greve de servidores e professores na quinta-feira 28. Entre outras reivindicações relacionadas às suas carreiras, os profissionais exigem normalização dos repasses do governo. Um dos pontos cruciais para o desenvolvimento do País, a universidade federal se vê hoje imersa em dívidas e chegando ao extremo de suspender aulas e cancelar contratações, comprometendo as pesquisas e uma geração de futuros profissionais. Sem perspectiva de resolução, e com o governo se recusando a assumir a responsabilidade, fica a questão: quem pagará essa conta?



Considerada a maior do país, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é um dos casos mais emblemáticos – e dramáticos. Com 62.240 alunos, 4.036 docentes e 9,3 mil servidores, a instituição teve de suspender aulas em alguns cursos no começo de maio porque não havia serviços de limpeza e segurança. Funcionários entraram em greve por falta de pagamento e, dias depois, a situação ficou insustentável. Para a professora do Instituto de Química Glória Braz, desde a implementação do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a tragédia estava anunciada. “O número de alunos aumentou, mas a estrutura de apoio não acompanhou”, diz. O atraso no pagamento das bolsas-auxílio, de pesquisa, extensão e iniciação científica também deixou os estudantes apreensivos. Na segunda-feira 25 os servidores declararam greve e os alunos decidiram na quinta-feira 28 parar em apoio aos funcionários. Thainá Marinho, 19 anos, está no quinto período de Letras/Latim. “Este ano a rotina acadêmica mudou bastante. Em relação à estrutura, os banheiros ficaram imundos, com pilhas de lixo e um cheiro forte”, diz.



Em relação à estrutura e ao funcionamento das instituições, há situações similares em todo o País. Na Universidade de Brasília (UnB), o repasse mensal, que deveria ser de R$ 11 milhões, caiu para R$ 7 milhões. “Em janeiro, fevereiro e abril, a gente teria que receber um determinado valor para despesas de custeios que cobrem jardinagem, segurança, papel, luz. Recebemos um terço a menos do que o previsto. Estamos na pior situação”, afirma César Augusto Tibúrcio, decano de planejamento e orçamento. Contas de água e luz estão atrasadas e há reformas paradas. “Temos um valor de despesa de custeio em torno de R$ 15 milhões. Parte disso vem do governo e parte de recursos próprios, de imóveis que administramos. Mas ainda assim não é suficiente.” A maior crítica feita por Tibúrcio é a falta de informação por parte do governo, que só definiu a programação orçamentária na sexta-feira 22, mas até agora não se pronunciou sobre quanto será repassado às universidades. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o atraso nos salários causou uma paralisação entre funcionários da vigilância do campus. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os fornecedores também não foram pagos. “Os repasses do governo são feitos sem uma frequência ou data pré-estabelecida, o que ocasiona um descompasso no fluxo financeiro”, afirma a instituição em nota.



Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a reitoria organizou um ato público para informar sobre os problemas gerados pelo contingenciamento de 40% nos repasses e do déficit de R$ 28 milhões referentes a 2014. Pagamentos de contas de energia elétrica e fornecedores estão comprometidos. Foram estipuladas algumas medidas para redução de custos, como corte de até 25% nos contratos de serviços terceirizados, que provoca diminuição das equipes de segurança, portaria e recepção, manutenção e limpeza. A mesma estratégia foi adotada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o diretório central dos estudantes (DCE) tem discutido o corte no orçamento. “Seguranças foram dispensados e os assaltos aumentaram muito”, afirma Izabella Lourença, coordenadora geral do DCE. A universidade tem mais de 30 mil alunos e dois campi principais. Outro problema da UFMG é o atraso no pagamento das bolsas-auxílio. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em um comunicado divulgado para os alunos, a entidade explica que o atraso no pagamento das bolsas se devia ao fato de o governo federal ainda não ter efetuado o repasse do orçamento. Em vez de quatro parcelas de R$ 400 por semestre, os alunos receberam só uma, sem garantia das outras três.

Foram os funcionários que puxaram a greve. Servidores de 60 universidades, segundo a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), aderiram oficialmente à paralisação que começou na quinta-feira 28. No mesmo dia, docentes de 18 instituições começaram a paralisação em 12 estados. Segundo Rolando Rubens Malvásio Junior, coordenador de administração e finanças da Fasubra, mais docentes devem suspender as aulas nos próximos dias. “Sem os servidores, tudo pára: biblioteca, restaurante... Hospitais universitários funcionam somente para urgências e tratamentos continuados”, afirma. Instituições do Mato Grosso, Sergipe, Bahia, entre outros, terão aulas paralisadas por tempo indeterminado. No Rio de Janeiro, professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) também param. Na UFRJ, só servidores, como na UFMG, e alunos.



O MEC afirma que a greve só faz sentido quando estiverem esgotados os canais de negociação . “O Ministério recebeu as entidades representativas de professores e servidores nas últimas semanas, mas desde o início elas já informaram ter data marcada para a greve”, afirma, em nota. Uma das explicações para a retenção dos repasses é a necessidade de se aguardar a publicação da programação orçamentária de 2015, o que aconteceu somente na sexta-feira 22, com anúncio de corte de R$ 9,42 para a pasta da educação. Não se sabe ao certo quanto essa medida afetará as federais. Na quarta-feira 27, foram liberados R$ 7,2 bilhões como crédito suplementar a órgãos do poder executivo e às universidades federais. Esse valor, porém, não cobre a diminuição de 30% dos repasses anteriores. Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), diminuir gastos com universidades é criar um apagão intelectual. “É um enorme atraso para um momento em que queremos entrar no mundo da inovação. O futuro está no conhecimento”, diz. Em um País onde faltam serviços básicos nos mais importantes centros de ensino e pesquisa, pensar no futuro, hoje, causa mais medo do que esperança.

Colaborou Helena Borges
Foto: José lucena/Futura Press, LULA MARQUES; Ronildo de Jesus/ Futura Press

sábado, 23 de maio de 2015

PLANO DE CARREIRA, UM TABU DO MAGISTÉRIO

 
ZERO HORA 24 de maio de 2015 | N° 18172



PLANO DE CARREIRA dos professores ultrapassa 40 anos de existência em uma encruzilhada. Para uma categoria já descontente, é garantia de direitos. Para gestores, impede pagamento do piso


Ao final de uma das reu­niões que antecederam a aprovação do plano de carreira do magistério, em 1974, Nayr Tesser ouviu da fundadora do Clube do Professor Gaúcho, histórica entidade social da categoria, uma previsão que jamais esqueceu.

– Saímos da sala, e olhei para a Thereza Noronha. Ela disse: “Nayr, isso foi o que conseguimos fazer. No futuro, ainda seremos as responsáveis por mudar” – recorda a aposentada, em referência ao plano que ajudaram a construir.

À época, Nayr era docente no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, em Porto Alegre. Thereza estava à frente da Confederação de Professores do Brasil e já havia presidido o Centro dos Professores do Estado (Cpers). Era uma autoridade. Morreu em 1983, e a sua profecia nunca se cumpriu. Passadas quatro décadas, o estatuto continua exatamente o mesmo. É o mais antigo em vigência entre os Estados brasileiros, o único anterior à Constituição de 1988.

Sem nunca ter sido atualizado, tornou-se um dos motivos pelos quais o Palácio Piratini descumpre a lei do piso nacional da categoria, aprovada em 2008. Ao mesmo tempo, é considerado um patrimônio pelo Cpers, por garantir a progressão profissional, assegurar direitos e estimular a qualificação. Mas o consenso em torno dele quase nunca foi a regra.

Contemporâneo de Nayr, Júlio Cezar Boeira, 75 anos, lembra de ter ficado preocupado quando soube do projeto em elaboração na década de 1970. Ligado ao Julinho, o mestre reuniu um grupo de colegas e exigiu audiência na Secretaria de Educação (SEC). Em plena ditadura, a interferência causou furor.

– O plano não foi conquista. Foi enfiado goela abaixo – diz Boeira.

Aos 89 anos de idade, o coronel Mauro Costa Rodrigues discorda. Secretário estadual de Educação à época, o oficial diz que houve diálogo e se orgulha do resultado.

– Os professores finalmente passaram a ter uma carreira, e ela serviu de modelo a outros Estados. Não tiro a razão do Cpers por temer mudanças – pondera.

Em 1975, 61% dos educadores da rede estadual careciam de formação superior. Hoje, 85% estão nos últimos degraus da trajetória profissional, com graduação e pós. O plano funcionou.

Mas hoje tem pontos defasados e inviabiliza o pagamento do piso por conta da estrutura da carreira. Como a maioria dos docentes já atingiu os níveis mais altos do sistema, sempre que o básico aumenta, o resultado é uma avalanche nas finanças públicas.

O efeito-cascata faz com que um reajuste aparentemente pequeno se transforme em uma cifra impagável, estimada em R$ 3 bilhões ao ano.

– Infelizmente, faltam recursos. Sem um novo contrato, não vejo saída – resume o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.

IMPASSE ALIMENTA PASSIVO DE R$ 10 BI

Professor da UFRGS, Juca Gil integra um projeto de pesquisa nacional sobre o assunto e está do lado do Cpers. Segundo ele, a maioria dos Estados que mexeram em seus planos acabou achatando salários:

– O plano do RS é anacrônico, mas garante condições de trabalho melhores do que os novos. Quando se abre a porteira, não tem como passarem apenas dois bois.

O potencial explosivo faz do tema um tabu. De um lado, o governo diz não ter dinheiro. De outro, o Cpers teme retrocessos. Enquanto o impasse se arrasta, o Estado acumula passivo de mais de R$ 10 bilhões por não pagar o piso desde 2011, e a dívida com os professores tende a crescer ainda mais.

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RS TEM VENCIMENTO BÁSICO MAIS BAIXO

Entre os Estados brasileiros, o Rio Grande do Sul é o que paga o menor vencimento básico inicial para os professores estaduais. A conclusão é de um levantamento feito junto às Secretarias de Educação de todas as unidades da federação.

ZH pediu aos órgãos que indicassem os valores atualizados destinados aos educadores no começo da carreira, por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem contar adicionais.

A comparação é complexa, pois algumas secretarias informam que o primeiro nível é ocupado por pessoas sem graduação (como no RS) e, outras, em menor número, por graduados – teoricamente mais bem remunerados. Além disso, Estados como o Espírito Santo transformaram a remuneração em subsídio, incorporando gratificações.

Ainda assim, o RS aparece na lanterna. Para piorar, integra o trio que, segundo os dados oficiais, descumpre o piso – número questionado pela secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Marta Vanelli.

– O que vemos, na prática, são formas deturpadas de cumprir a lei. Os Estados dão o reajuste anual para os níveis iniciais para dizer que pagam o piso, mas não contemplam os demais níveis. Isso, para nós, não conta – afirma Marta.

Presidente do Conselho de Secretários de Educação do Brasil (Consed) e titular da pasta em Santa Catarina, Eduardo Deschamps rebate as críticas. Na avaliação dele, “a lei do piso do magistério é a lei do salário mínimo”.

– Os profissionais da categoria estão entendendo a lei do piso como uma lei de reajuste salarial para todos, e isso é um problema para os Estados. É insustentável, ainda mais com correção acima da inflação – diz o secretário.

Sobre a posição do Rio Grande do Sul no ranking, ele faz uma ponderação:

– A situação dos gaúchos é sui generis, porque, apesar de descumprir a lei, o Estado tem uma das remunerações médias mais altas do Brasil.

A assessoria do secretário de Educação Vieira da Cunha informou que ele não se manifestaria sobre o assunto.



O PLANO QUE NUNCA CHEGOU A SAIR DO PAPEL


Depois de mais de seis horas de debates, às 18h50min daquela terça-feira, 13 de janeiro de 1998, os deputados aprovaram, por 31 votos a 21, o projeto do novo plano de carreira do magistério estadual – que nunca sairia do papel.

Nas últimas décadas, foi a oportunidade mais concreta de reformular o sistema de ascensão na profissão, mas não avançou.

A proposta surgiu no governo de Antônio Britto (PMDB), quando a Secretaria de Educação (SEC) era comandada por Iara Wortmann, e descontentou o Cpers. Professores lotaram as galerias da Assembleia Legislativa para protestar.

Por fazer parte da atual gestão da SEC, Iara prefere não se manifestar sobre o passado. Mas a ex-diretora de Recursos Humanos do órgão, Sandra Queiroz, lembra como se fosse hoje. Segundo ela, as discussões foram acirradas.

– Entendíamos que o plano de 1974 havia sido bom por um determinado período, mas estava descontextualizado. Por isso, decidimos propor outro – diz.

O novo plano, que passaria a valer apenas para os educadores que ingressassem no Estado a partir de então, reduziria os níveis da carreira. Eles passariam de seis para quatro, e a variação entre os vencimentos do primeiro e do último nível cairia de 100% para 50% dentro da mesma classe.

Para convencer os docentes, a intenção da SEC era dobrar o valor do mínimo. O problema é que esse aumento dependeria da sanção de uma lei complementar.

– Esse foi o nosso grande pecado, porque a lei nunca foi feita e não houve nenhum concurso para validar o novo plano – afirma Sandra.

No ano seguinte, após impedir a reeleição de Britto, Olívio Dutra (PT) assumiu o Palácio Piratini e chamou Lúcia Camini, até então presidente do Cpers, para chefiar a SEC. Em novembro de 1999, a modificação sancionada pelo governo anterior foi revogada.

– Aquela proposta reduzia os salários e era prejudicial aos professores. Isso nos levou a manter o plano antigo. Foi uma promessa de campanha – ressalta Lúcia, hoje no Ministério da Educação.

A ex-secretária lembra que, naquele momento, não havia uma lei nacional do piso. Hoje, evita opinar sobre a necessidade de atualização do plano, mas reconhece que a conjuntura mudou.

– Se tivesse saída fácil, já teria sido adotada – sentencia Lúcia.